Noticias: 26 pequenos buracos ajudam a revelar mais páginas da história de Lagos

>> sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um total de 26 sondagens geoarqueológicas, atingindo um máximo de oito metros de profundidade, ao longo do troço final da Ribeira de Bensafrim, vai ajudar a saber mais sobre o passado longínquo de Lagos.

As sondagens foram feitas pela equipa dos investigadores da Universidade de Sevilha, com a qual a Câmara de Lagos estabeleceu um protocolo de colaboração de quatro anos, coordenada pelo catedrático Oswaldo Arteaga e integrada ainda por Daniel Barrágan, entre outros técnicos.
Entre 12 e 29 de Julho, os investigadores fizeram então os 26 buracos com oito centímetros de diâmetro, em outros tantos locais entre a foz da Ribeira de Bensafrim, junto à Meia Praia, passando pela frente ribeirinha de Lagos, pelo Monte Molião, Telheiro, Sargaçal, Caldeiroa, ETAR, Portelas e Horta do Trigo.
Segundo explicou Elena Morán, arqueóloga da Câmara de Lagos, foi feita a «perfuração do rebordo costeiro, para ter o enquadramento topográfico, antes de abordar o centro histórico de Lagos».
Os sedimentos e outros materiais recolhidos já foram enviados para a Universidade de Bremen, na Alemanha, onde serão analisados em laboratório.
Elena Morán salientou que estas geo-sondagens são «um procedimento mais rápido e mais barato que a arqueologia tradicional».
«Basta fazer um buraco com oito centímetros, que pode alcançar profundidades bem maiores que as que conseguiríamos atingir com as sondagens arqueológicas tradicionais, com a vantagem de não perturbar ninguém e de ser mais seguro para todos», explicou.

O método já antes tinha sido utilizado, com muito sucesso, na Rua da Barroca, aquando da construção do Parque de Estacionamento da frente ribeirinha de Lagos.
E o sucesso, dessa vez, revelou-se a dois níveis: primeiro porque as geo-sondagens foram feitas, de forma rápida, com o mínimo de perturbação para transeuntes e moradores.
Depois porque, dos resultados dessas sondagens, resultou a escrita de uma nova e mais antiga página na história de Lagos, já que os sedimentos e fragmentos de cerâmica encontrados permitiram chegar à conclusão de que a cidade foi uma feitoria fenícia, há 2800 anos.
No caso desta nova campanha de sondagens, os investigadores não querem, para já, adiantar se há dados interessantes a retirar. Preferem esperar pelo trabalho de laboratório, que vai durar cerca de três anos.

Mas já há pontas do véu que podem ser levantadas. O geólogo Daniel Barrágan revelou ao «barlavento» que as sondagens permitiram definir «a fácies marinha mais a Sul e outra lagunar, de água doce e salobra, mais a Norte», o que indicia que, há 6500 anos, em vez de um pequeno estuário de uma ribeira, haveria naquela zona «uma verdadeira baía», onde as águas do mar chegavam bem mais para o interior.
Depois, ao longo dos séculos, começou a «sedimentação dessa laguna ou baía», acentuada pelo maremoto que se seguiu ao grande sismo de 1755, e, bem mais recentemente, pelo assoreamento natural e artificial da foz da ribeira, com a colocação dos esporões da entrada da barra, a construção da atual avenida dos Descobrimentos e da Marina de Lagos.
«Distintas civilizações e modos de produção têm a ver com processos de erosão e de sedimentação diferentes», que agora podem ser avaliados através das amostras recolhidas pelas geo-sondagens. No fundo, a tarefa dos cientistas vai ser avaliar «o impacto antrópico [do homem] no ambiente ao longo dos tempos», como sublinhou Daniel Barrágan.

Mas o que se pode encontrar nas amostras recolhidas? Por exemplo, «micro-fósseis que nos falam dos ambientes de sedimentação», já que, salientou o cientista, os micro-fósseis marinhos são diferentes dos de ambientes de água doce ou salobra e tudo isso, em função dos locais onde as amostras foram recolhidas, «ajuda a desenhar com exatidão a linha de costa» nos últimos milénios em Lagos.

Também os macro-fósseis (como os bivalves) serão alvo de análise.
Mas serão analisados igualmente fragmentos de cerâmica que foram encontrados e para isso nada melhor que utilizar a expertise do professor Oswaldo Arteaga, que é uma das maiores autoridades mundiais em cerâmicas.
As cerâmicas, explicou Elena Morán, «mudam segundo a época e a sua análise e datação [por Carbono 14 e AMS, ou seja, espectometria de massas] permitirá datar os sedimentos onde elas foram recolhidas».
Mas também a granulometria dos sedimentos será analisada, bem como a sua cor e até cheiro. «Os sedimentos têm cheiros diferentes?», quis saber a vice-presidente da Câmara Joaquina Matos, que assistiu à conversa do «barlavento» com os investigadores.
«Sim! Só pelo cheiro há muita coisa que se pode dizer. Quando são sedimentos marinhos, por exemplo, cheira intensamente a mar», garantiu Barrágan.

Enquanto o grupo de quatro técnicos andava pelo campo a fazer os buracos das sondagens, uma equipa constituída por Oswaldo Aretaga, Ana Maria Rooz e pela própria Elena Morán teve a seu cargo a tarefa de coordenação científica, coadjuvada por prospeção em terra nas zonas abrangidas pelas sondagens.
Agora, todos os dados recolhidos serão enviados para a Universidade de Bremen – que, a par da Universidade de Nantes, integra o mesmo protocolo que a Câmara de Lagos assinou com a Universidade de Sevilha – onde o professor Schulz irá determinar se as amostras são suficientes ou se haverá necessidade de nova campanha de sondagens.
Em paralelo com a análise laboratorial que será feita na Alemanha, na universidade francesa será feito, segundo Daniel Barrágan, o «estudo territorial de todas as fases históricas que detetámos, cruzando com fotografias aéreas e de satélite».
Em Nantes, «vai-se estudar sobretudo os últimos 200 anos, depois do terramoto de 1755 e até ao advento do turismo em Lagos».

E todo este trabalho para quê, afinal?
Este será «o ponto de partida para fazer a Carta Arqueológica do Centro de Lagos e da sua zona envolvente», revelou Elena Morán.
«O que se pretende não é contar uma história às prestações, mas antes ter uma ideia abrangente do território. O professor Arteaga vai pegar em todos os dados e, com a ajuda de todos, vai contar a história deste território, sob a forma de uma monografia. Vai fazer o nexo interdisciplinar», acrescentou a arqueóloga.
Ou seja, a partir destas sondagens geológicas ao serviço da arqueologia, que são um procedimento inovador em Portugal, vai ser escrita mais uma importante página da história de Lagos.
E delas vai surgir também uma Carta Arqueológica, que será um instrumento importante para a Câmara, mas também para os moradores, os proprietários e todos quantos hoje se cruzam no centro de uma das mais antigas cidades algarvias.

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