Noticia: Silos islâmicos revelam mais um pouco da história de Aljezur

>> domingo, 5 de setembro de 2010

Os silos islâmicos postos a descoberto na Barrada, junto à Escola EBI de Aljezur, estão a ser alvo de uma campanha de escavações arqueológicas que deve terminar no final desta semana.

Os silos, escavados numa plataforma de calcoarenito muito fácil de trabalhar – no fundo quase um giz – foram descobertos quando foram parcialmente destruídos durante a construção de uma pequena rotunda junto à escola.
Silvina Silvério, da Universidade Nova de Lisboa, arqueóloga responsável pelos trabalhos, revelou ao «barlavento» que toda a plataforma – de onde se avista a várzea e ribeira de Aljezur e, em frente, o monte onde se ergue a vila, coroado pelo castelo – está crivada de silos, todos de forma circular, alguns profundos, mas outros não ultrapassando um palmo de altura.
«Ainda nem escavámos metade da plataforma e já identificámos 28 silos», explicou a arqueóloga.
Os silos, onde as populações islâmicas dos séculos IX ao XI guardariam os cereais e outras provisões, apresentam-se tapados com terra e pedras, ali depositadas ao longo dos séculos, desde que foram abandonados, há pelo menos mil anos.
Mas, no seu interior, há também ossos de animais e, sobretudo, muito fragmentos de cerâmica, que têm feito as delícias dos arqueólogos.
«Em alguns casos, com os fragmentos podemos reconstituir peças inteiras!», diz, entusiasmada, a arqueóloga, que trabalha naquele alto com uma equipa formada por jovens estudantes, sob o sol impiedoso de Agosto.
As cerâmicas são, segundo Silvina Silvério, «muito bonitas, mas locais», apresentando «a mesma tipologia e temática decorativa» das encontradas no Ribat da Arrifana, outro sítio islâmico que tem sido escavado no concelho de Aljezur, mas situado mesmo à beira das falésias litorais.
Ao que revelou a arqueóloga, na Barrada há sobretudo peças de pastas claras pintadas a negro e outras de pastas vermelhas pintadas a branco. «São cerâmicas comuns, do dia a dia, indicando que se tratava de populações rurais».
Num dos silos, o nº 10, mais profundo, surgiram os ossos de uma cabra e de uma vaca, que terão sido atiradas para lá depois de mortas.
Dentro dos covachos foram ainda encontradas conchas de diversas espécies de caracóis terrestres, bem como de búzios, burriés, mexilhões e berbigões, que certamente entrariam na alimentação dos aljezurenses de então.
Entre as peças menos comuns, os investigadores encontraram um alfinete de bronze, fragmentos de um pequeno frasco de vidro, provavelmente para perfume, e ainda algumas mós manuais.
Tendo em conta o espólio, os arqueólogos presumem que «todos os silos tenham sido abandonados e recheados com as terras e os fragmentos na mesma época», talvez na sequência de um episódio de conflitos entre as populações islâmicas que na altura habitavam o Algarve.
Silvina Silvério – que dirige a campanha de três semanas de escavações, a par do arqueólogo Luís Barros – acrescenta que a escolha desta plataforma de calcoarenito para construir os complexo de silos subterrâneos tem a ver precisamente com o tipo de rocha existente ali.
«Do outro lado, é tudo xisto», disse, apontando o monte em frente, onde se ergue o castelo. E o xisto, além de ser bem mais difícil de trabalhar, por ser ácido não é apropriado para armazenar cereais e outras provisões.
Quando os silos foram abertos, entre 1200 e 1000 anos atrás, o rio era navegável até Aljezur e a fértil várzea seria toda cultivada, gerando excedentes para armazenar.
«Deste mesmo tipo de calcoarenito, na zona de Aljezur, só há na zona onde agora está o campo da bola. Estácio da Veiga [arqueólogo do século XIX] encontrou lá cerâmica», contou ainda Silvina Silvério.
Curiosamente, a rotunda cuja abertura destruiu alguns silos, levando à descoberta dos outros, situa-se no topo de uma rua que leva precisamente o nome do arqueólogo Estácio da Veiga.

Os trabalhos arqueológicos são promovidos pela Associação de Defesa do Património de Aljezur, pagos pela Câmara Municipal e contam ainda com o apoio da Caixa Agrícola e ainda da empresa local FF Solar.

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